A procrastinação e a (im)produtividade

A procrastinação e a (im)produtividade

Quando deixar para amanhã impede o bem-estar

“O procrastinador afirma que ficará ansioso se trabalhar no projeto, não percebendo que a razão pela qual geralmente fica tão ansioso quando trabalha em projetos é que os adia até o último minuto.” (Robert Leahy)

Você já deixou para amanhã algo que queria fazer hoje? Era algo importante e isso lhe prejudicou? Qual foi a sua sensação a respeito?

            No vai e vem do cotidiano estão as suas rotinas, uma decisão que precisa tomar, um estudo que exige mais tempo e concentração, seus relacionamentos, os compromissos, um trabalho para entregar. Você se organiza, planeja, executa várias ações, mas algo vai ficando para depois.

            É claro que você tende a fazer o que dá mais prazer, não há nada de errado nisso. Ninguém quer a dor, o desconforto. A questão é se você na maior parte das vezes em que precisa fazer algo importante, de fato faz ou se substitui a atividade por outra considerada “procrastinadora” e se isso na sequência lhe traz consequências negativas.

            Rafael Tomaz da Costa traz o conceito de procrastinação: “atraso voluntário e desnecessário de uma tarefa que se pretendia realizar, apesar de estar consciente das consequências desagradáveis desse atraso, resultando em um significativo sofrimento.”

            Então, procrastinar pode ser saudável ou não. É algo para maturar melhor, juntar mais dados para decidir ou fazer de forma mais sensata e adequada depois? É adiar porque seu nível de energia já não lhe permite mais produzir sem grande estresse? Trata-se de algo menos importante?

Ou você nota uma postura recorrente, que traz prejuízos à sua vida, principalmente no aumento da ansiedade? E os sentimentos que você percebe depois são de frustração, vergonha, arrependimento ou culpa? Tornou-se um hábito que afeta o seu desempenho acadêmico e profissional, seus relacionamentos e sua saúde?

A armadilha da Procrastinação

Tente identificar se você convive com uma armadilha mental em que é rapidamente assediado por alguns modos de acreditar “que autorizam a postergar”, aumentando o mal-estar com a tarefa a realizar. Veja se eles são seguidos por pensamentos que justificam o “prazer imediato”. Você se sabota com pensamentos assim?

  1. Se você vive essa realidade, é aconselhável parar, intervir no movimento, identificar e questionar esses pensamentos que facilitam a sua autossabotagem. Quais “desculpas” você usa mais? Registre por uma semana;
  • Veja também se elas são seguidas por ideias que levam ao “prazer imediato”. Colete os seus exemplos mais comuns de pensamento;
  • Monitore também quais são os seus comportamentos de alívio imediato mais recorrentes: “o que você mais faz enquanto não faz” o que se comprometeu a fazer? Essas atividades procrastinadoras já se transformaram em vícios e compulsões?
  • Identificar os sentimentos que você tem depois de não ter realizado uma tarefa, de ter perdido um contato ou compromisso importante é algo que vai fazer você dimensionar melhor qual é o sofrimento e o prejuízo que a procrastinação está lhe causando. “Faça uma lista do custo-benefício de manter a procrastinação”; a dica é do psicólogo Robert Leahy;

Possíveis tipos de procrastinadores

            Se “deixar para depois” se tornou um padrão, talvez você possa identificar qual tipo de procrastinador tem sido (não se rotule, heim, a ideia é de se autoconhecer para se transformar) e em qual intensidade isso tem acontecido.

A classificação é da Psicóloga norte-americana Mônica Basco. As reflexões revelam algumas crenças que norteiam os pensamentos e comportamentos procrastinadores:

  • Evitativo
    • Caso não queira sentir desconfortos ao fazer o que precisa fazer, por não ter aprendido enquanto criança ou adulto a suportar a dor e a frustração;
    • a evitação geralmente vem de pensamentos de medo de falar algo com alguém ou de se sentir mal com o que vai fazer; ironicamente, evitar a dor é sinônimo de mantê-la;
  • Desorganizado
    • Se você acha que vai dar conta de todos os compromissos assumidos, mas na verdade, não tem autodisciplina ou dimensiona mal o tempo e a energia necessária para tarefa, impossibilitando a execução de algo importante;
  • Indeciso
    • Quando você passa mais tempo do que o necessário analisando uma decisão a tomar, pesando demais cada detalhe e sofrendo pela incerteza da melhor opção ou pela dificuldade de renunciar ao que não escolheu. E se tem dúvidas, não age: paralisa, evita ou interrompe sua atividade.
  • Interpessoal
    • Você tem problemas com hierarquia ou não aceita opiniões alheias? Se alguém diz: “faça”, você se irrita e posterga ou evita?
    • Acaso se sente paralisado por ter certeza de que o outro rejeitará sua produção ou a sua proposta?
    • Ou você tem dificuldades em dizer “não”, aceita a tarefa, mas, no fundo, por não concordar, demora a honrar o compromisso assumido ou não faz, prejudicando seus relacionamentos?
  • Tipo Tudo ou Nada
    • Saiba que o perfeccionismo é uma das grandes fontes de procrastinação. O pensamento dominante é: “se não for para ser perfeito, melhor nem começar”, ou, “vou parar, porque não vai ficar como eu queria”. Sua auto cobrança excessiva pode impedir ou interromper a tarefa.
    • Outra situação recorrente é a crença de incapacidade, em razão de invalidações que você possa ter internalizado;
  • Hedonista
    • Se você porventura posterga as tarefas porque não recebeu “limites saudáveis”, se tem pouco autocontrole e autodisciplina, se deixa para depois as atividades que não dão prazer imediato ou que exigem um empenho muito grande. 
    • A vida é feita de escolhas: você escolhe o que fazer o que precisa ser feito ou “o que é mais gostoso”?

Algo entre a diversão e a produção

            Cabe uma ressalva quanto à necessidade de relaxar e ter mais bem-estar, viver, de fato. O perfeccionismo (padrões elevados e inflexíveis) e a ansiedade em geral, por exemplo, atuam no sentido contrário, o da hipervigilância. São movidos pela ordem de “nunca descansar”, não se permitir à espontaneidade e ao lazer.

Repor energias não é procrastinar. É algo necessário até para produzir mais. Cuide para não se sentir culpado quando tem a chance de gozar do seu merecido repouso. Se você se considera um “workaholic”, busque “descansar enquanto descansa”, inclua na sua agenda atividades prazerosas, experiências de bem-estar.

Algumas dicas para procrastinar menos

            Além das sugestões para desarmar a armadilha da procrastinação, outras dicas poderão ajudar você a “pro-duzir” mais por “pro-crastinar” menos:

  1. Treine a sua Inteligência Emocional a autodisciplina e o controle dos seus impulsos. Ficará mais fácil produzir se você não estiver nutrindo pensamentos que o levam à raiva, culpa, medo, tristeza, mágoa, etc;
  • Aja, dê o primeiro passo; comece, ative o seu comportamento de produzir antes que você seja assediado por seus sabotadores para não-produzir. James Clear sugere a regra dos 02 (dois) minutos: começar e agir por 02 (dois) minutos na atividade importante a fazer. Depois você analisa se continua ou não, mas, por agir, já há um enfrentamento das “desculpas” mais usuais;
  • Treine habilidades de relacionamentos caso identifique pensamentos de ansiedade social. Aprenda a dizer “não”, a se comunicar de forma assertiva e a diminuir as crenças de que será rejeitado;
  • Planeje a sua vida, sua carreira, sua semana e o seu dia. Assim você faz o uso saudável da procrastinação. “Planeje o imprevisto”: considere os detalhes do que poderá desestabilizá-lo emocionalmente ou desorganizá-lo nas atividades. Estresses vão acontecer. Faça uma escolha entre viver refém deles e estar com a ansiedade sempre elevada ou planejar e adotar uma postura de enfrentamento, de resolução de problemas e de aproveitamento de oportunidades;
  • Tenha muito claro quais atividades e assuntos são os mais “urgentes” e “importantes”; eleja um foco, tenha certeza de qual será a sua próxima atividade; descarte atividades não urgentes, não importantes, as que estão fora do seu foco, por melhor que lhe pareçam;
  • Use aplicativos de organização e métodos de gerenciamento de tempo e de rotinas, se for o caso; a Técnica Pomodoro, por exemplo, auxilia muito ao sugerir que você trabalhe em ciclos em que foca 25 e descansa 5 minutos;
  • Admita flexibilizar apenas 5% (cinco por cento) das regras e dos padrões altamente elevados que colocou como parâmetro para você, caso seja “perfeccionista”: a atenção exagerada a detalhes, a subestimação de quão bom é; as regras rígidas e as ideias fixas de como as coisas “deveriam” ser, a preocupação com tempo e eficiência, a necessidade de fazer sempre mais do que se faz;
  • Faça uma lista de vantagens e desvantagens nas decisões que precisa tomar. Pese cada item. Depois, faça o mais difícil: renuncie ao que não será sua escolha. Uma opção efetiva, consciente, por menos perfeita que seja, é melhor do que o sofrimento da indecisão;

A ponta do Iceberg

Por fim, não subestime o comportamento procrastinatório. Apesar do alívio aparente, que logo se transforma em dissabor, o tempo dispendido e o desgaste emocional são maiores na procrastinação do que na produção eficiente.

Considere buscar ajuda de um psicólogo para procrastinar menos. Entenda que ela é um sintoma, a ponta do iceberg. E que para chegar às causas e resolvê-las o profissional e você poderão enfrentar juntos um caminho que pode passar por ansiedade, depressão, perfeccionismo, baixa autoestima, falta de autonomia, ausência de limites saudáveis, regulação de emoções e de impulsos, ou outros conteúdos mentais.

Assim você poderá trocar o seu sofrimento pela produtividade e pelo bem-estar.

Leituras complementares:

  • James Clear, “Hábitos Atômicos”, Editora Alta Live
  • S.J. Scott, “23 hábitos anti-procrastinação
  • John Perry, “A arte da procrastinação, Editora Schwarcz

Essa reflexão não substitui psicoterapia.

Artigo divulgado também no Clube Gazeta do Povo e no Blog Top 10 News.

Psicólogo Pascoal Zani – CRP 08/04471

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